sexta-feira, 18 de maio de 2012

Wenceslau


Wenceslau Rizério de Araújo nasceu em 1822, ano da declaração de Independência do Brasil, e faleceu em 4 de agosto de 1899 no alto sertão da Bahia. Era um homem de muitas posses e seus bens haviam sido em grande parte pertencentes ao Barão da Lagoa, com quem compartilhava relações familiares. 

A rigor não há um nobre que tenha recebido honraria com essa denominação, e sim Barão de Vila Velha, numa referencia ao atual município de Livramento de Nossa Senhora. Este título foi concedido em maio de 1883, a Joaquim Augusto de Moura(1828-1898) pelo Imperador D.Pedro II em retribuição a vultosa doação de 10 contos de réis que fizera para a "instrução pública" daquela localidade. O Barão, filho de Martiniano de Moura e Albuquerque, era proprietário de muitas terras e gado. Deixando a região diamantina, tomou a direção de São Paulo e finalmente do Rio de Janeiro, onde faleceu.

Pois bem, com a migração de Joaquim Augusto para o Sul, Wenceslau ficou com parte das fazendas sob a condição de pagar um valor previamente ajustado - estimado em 300 contos - tão logo fosse obtendo recursos resultantes da venda de gado vacum. A esposa de Wenceslau, Constança Rosa de Moura, era prima do barão, permitindo deduzir que estas eventuais relações familiares tenham contribuído para os termos em que o negócio foi estruturado.

Wenceslau chegou à Fazenda São Gonçalo por volta de 1840, e ali passou a viver com sua família, em terras banhadas pelo Rio São João, no Iguatemi (atual município de Livramento). A casa grande era muito movimentada, não apenas pelo entra e sai de pessoas interessadas em comprar e vender, ou pelo corre-corre dos escravos  a cumprir mandados. Era agitada também em função da quantidade de netos que por ali circulava, filhos e filhas de Camila e Augusta, ambas falecidas prematuramente em consequência de complicações dos inúmeros partos. Camila deu luz a Osório, Bela, Virgílio, José Moura, Camilo Manoel e Manoel Camilo.  Registra-se que entre todos os netos que criava, o que comandava a trupe era Fidelcino, filho de Augusta, que também trouxe ao mundo Eujácio, Jaime, José Augusto e Raquel.

O fato é que com os falecimentos de Camila e Augusta, os esposos, respectivamente Faustino de Vasconcellos Bittencourt e Juvêncio Alves dos Santos, não ficaram com a guarda das crianças, ou pelo menos da maioria delas. Dona Constança Rosa de Moura e Wenceslau tiveram 12 filhos: Juvêncio, Florindo, Theódulo, Sebastião, Marcolino, Augusta, Adelaide, Camila, Bela, Deolinda, Maria Carlota e Ana Rizério.


Wenceslau era filho de Fernando Rizério de Araújo e Maria Carlota de Souza Freire, sendo que está teria morado no casarão de São Gonçalo. Conta-se que certa vez um parente teria perguntado a alguém familiarizado com a casa grande: - quem é essa aí que fica mandando em tudo aqui na cozinha? E imediatamente, ouviu como resposta: - fala baixo, essa é a mãe de  Ioiô! 

Considerado por alguns como um dos fundadores de Brumado, Wenceslau foi um desbravador, um incentivador da indústria e do artesanato, tendo contribuído para o desenvolvimento da agricultura e pecuária. Criador de gado, produtor de mandioca e seus sub-produtos, possuía escravaria para a lida dos negócios.

A partir de julho de 1899, Wenceslau passou a integrar a Guarda Nacional com o posto de Tenente-Coronel Comandante da Comarca de Ituassú (como escrito no Diário Oficial) tendo o seu filho, Florindo Rizério de Moura, a patente de capitão ajudante. 

No fim da vida, viu seu filho Marcolino assumir o comando da cidade. Marcolino Rizério de Moura governou o município por 17 anos (1908-1912; 1927-1929; 1938-1948). Em mandatos alternados, Fidelcino Augusto dos Santos, filho de Augusta e neto de Wenceslau, administrou Brumado por outros cinco anos(1922-1923 e 1932-1934).

  
NVJ 16/05/2012. Atualizado 21/07/2021


Nota:
A despeito das referências à ascendência italiana do seu sobrenome, que seria derivado de Rizielli ou Rizieri, deve-se comentar a existência de uma versão para o surgimento deste sobrenome. Segundo esta outra narrativa, o Barão de Vila Velha era um aficionado da numerologia, doutrina que desde tempos remotos reúne seguidores, e segundo a qual o resultado da análise do nome de uma pessoa sob certo prisma dos números pode favorecer ou, ao contrario, criar embaraços na vida de quem o carrega.
Assim, teria o Barão procedido uma análise numerológica do nome de Wenceslau, concluindo que deveria acrescentar àquela designação que ganhou em batismo, o sobrenome Rizério, resultando por completo: Wenceslau Rizério de Araújo. 
Este registro, que se faz por compor a história oral, não guarda consistência desde que se obteve o registro do nascimento de uma filha de Wenceslau, onde contava o nome dos avós, inclusive do sobrenome paterno, Rizério.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

UM MOURA NA GUERRA DO PARAGUAI



Marcolino de Moura e Albuquerque cursava Direito na Faculdade de Recife quando, em 1865, irrompe a Guerra do Paraguai em decorrência de disputas territoriais que também envolveram o Uruguai e a Argentina.

A mobilização de tropas regulares e voluntárias, ordenadas pelo Império brasileiro teve grande adesão na Bahia. Até fevereiro de 1866, segundo informe do Presidente da Província, no Relatório Anual apresentado à Assembléia Legislativa, 10.189 praças já haviam marchado para o sul.

Destes soldados, 386 integravam o Batalhão Imperatriz sob o comando do então Tenente-Coronel Marcolino de Moura e Albuquerque, que suspendera seus estudos para atender ao apelo nacionalista.

Sobre sua participação na Guerra são encontrados alguns registros que merecem destaque porque ajudam a elucidar o seu nível de participação no processo. O primeiro deles, é descrito no livro “A História da Guerra do Paraguay” publicado em 1870. No seu volume III, pág. 86, lê-se que:

“Na batalha de 24 de maio, distinguiu-se o tenente-coronel Marcolino de Moura Albuquerque, comandante do batalhão 22 de voluntários da Bahia.
Estudando direito em Pernambuco, abandonou os bancos acadêmicos para acudir ao reclamo da pátria ultrajada: vindo como major desse batalhão, tomou logo seu comando. Assistiu aos principais combates, e no dia 24 de maio, tomando a bandeira do seu batalhão, pôs-se na frente, e assim guiou na carga que desbaratou o inimigo.
Esse feito foi elogiado em ordem do dia. Ficando o batalhão 22 de voluntários muito reduzido, e sendo o batalhão mais moderno foi dissolvido; oferecendo-se ao seu bravo comandante outro batalhão, não aceitou.”

A batalha a que se referem os autores é a de Tuiuiti, uma das mais importantes da guerra e que se desenrola em território paraguaio, em 24 de maio de 1866. Escrito e publicado logo após a guerra, o livro deixa transparecer um claro o tom ufanista, o que não tira os méritos de Marcolino de Moura, ao contrário.

O segundo episódio a comentar revela particularidades que o recrutamento podia assumir, sobretudo por levar ao questionamento sobre o seu caráter voluntário. O palco do debate foi o Congresso Nacional. Ali, em 4 de julho de 1867, o deputado Frederico de Almeida e o deputado Junqueira pautavam a discussão sobre a validade das eleições recém realizadas no distrito de Lençóis, na Bahia. Ressalte-se que o Dr. Marcolino de Moura ainda não ocupava uma cadeira no legislativo. O congressista Frederido de Almeida relatava uma ocorrência policial havida no município, e sob a alegação de que a participação do tenente-coronel Marcolino de Moura nos acontecimentos fora indevida, pretendia ver anulado o pleito.

Conforme registrado nos “Annaes do Parlamento Brazileiro”, de 1867, o Dr. Marcolino de Moura “depois de combates gloriosos no Paraguai, voltara ao interior da Bahia para ali adquirir voluntários” para a guerra. Sabendo que um determinado grupo de homens estava preso e seria submetido a processo pela morte de um guarda, resolve o tenente-coronel intervir, pedindo ao Delegado daquela circunscrição que consentisse em que os presos seguissem viagem consigo na condição de voluntários. Obtida a concordância, os novos recrutas foram conduzidos sob custódia do tenente-coronel à Capital da Província. No debate, o deputado Almeida pleiteava a nulidade da votação havida meses antes, afirmando o tenente-coronel teria atuado no sentido de beneficiar um correligionário seu que se candidatava naquele pleito.

A despeito da discussão sobre a natureza da intervenção do Tenente-coronel na prisão ou soltura daqueles cidadãos, se tivera ou não o objetivo de ajudar um companheiro de partido, o que nos interessa no momento é destacar que após sua participação na frente da guerra, ele retorna à Bahia para compor um novo agrupamento de soldados, mais ou menos “voluntários”.

Finalmente, o último achado da pesquisa é igualmente peculiar e se refere ao uso da capoeira na guerra. Segundo o artigo “Reflexões sobre o surgimento da capoeira no Brasil: um olhar sobre a história”, os autores (Gorito e Assis) reportando a outro estudo de Ferreira(2007) sobre a Guerra do Paraguai ressalta a prática da capoeira numa situação extremamente delicada.

Assim, afirmam que “por ocasião do assalto final e a tomada da ponte de Itororó”, a 12 de dezembro de 1968, os soldados do 31º Corpo de Voluntários da Pátria sob o comando do Coronel Assunção, “seguidos pelos zuavos baianos sob o comando do Dr. Marcolino de Moura e Albuquerque, vendo esgotada a munição em pleno combate corpo a corpo... jogaram fora as espingardas...” e tomando as baionetas atacaram os inimigos "com arma branca e golpes de capoeiragem". Uma passagem, vale dizer, no mínimo heróica dos combatentes.

Finda a guerra, o Dr. Marcolino de Moura retoma seus estudos tornando-se bacharel de direito, e assumindo a bandeira do abolicionismo, ao lado de Joaquim Nabuco e outros. Eleito deputado federal, sua atuação no Congresso Nacional não abandonou a temática da Guerra do Paraguai, mais especificamente, a defesa dos que lutaram e não obtiveram os benefícios prometidos.

O projeto de lei 139, de sua autoria, estabelecia a concessão vitalícia aos oficiais e praças do pagamento de soldo integral correspondente ao posto ocupado à época da campanha. O projeto buscava tornar efetivo um dispositivo do decreto imperial de 1865 que criou os Corpos de Voluntários da Pátria. Ocorre que a aplicação da norma não assegurou o direito a todos os voluntários, estabelecendo restrições.

Marcolino argumentava, em outubro de 1905, ao discursar em defesa de sua proposta, que já havia passado mais de 35 anos desde o fim da guerra e que muitos dos  que ali lutaram estavam ao desamparo. Arguia, ainda, que já era reduzido o número dos beneficiários e que os encargos assumidos pelo Estado logo cessariam com o desaparecimento completo desses servidores da Pátria. Nesta campanha, no entanto, o deputado não logrou êxito.

Pouco tempo depois, em 1908, morre o Bacharel de Direito, Abolicionista, Tenente-Coronel na Guerra do Paraguai, Constituinte de 1891, Deputado Provincial, Deputado Federal do Império e da República, o Dr. Marcolino de Moura e Albuquerque.


NVJ


sábado, 5 de maio de 2012

OS MARCOLINOS



Dois Marcolinos Mouras tiveram grande expressão política no velho sertão da Bahia. O primeiro deles, Marcolino de Moura e Albuquerque, se destacou nacionalmente, lutou na Guerra do Paraguai, em 1865-67, e como deputado federal contribuiu para a elaboração da primeira Constituição da República, em 1891. O segundo, Marcolino Rizério de Moura, foi Intendente de Brumado por aproximados dezoito anos, uma espécie de prefeito interventor. 

Entre eles o sobrenome Moura não é mera coincidência, uma relação de parentesco os uniu. Marcolino Rizério de Moura era filho de Wenceslau Rizério de Araújo e Constança Rosa, dos Moura de Boa Sentença. Diz-se que graças à influência do pai, Marcolino Rizério teria sido nomeado, em 1905, Coronel da Guarda Nacional e comandante em chefe da Comarca de Caetité. Cargos estes reservados a líderes políticos locais, integrando um mecanismo que garantia estabilidade ao sistema vigente. O certo é que a projeção política do coronel Marcolino  como Intendente se dá tempos depois, em três mandatos, tendo o último se encerrado em 1948.

Marcolino de Moura e Albuquerque por sua vez, era filho de Manuel Justiniano de Moura e Albuquerque, figura de relevo no episódio da guerra dos Mouras versus Cangussus. 

Para entender a relação familiar entre os Marcolinos, temos que retroceder a um parente comum aos dois, ao Intendente e ao Deputado: trata-se de Martiniano José de Moura Magalhães. Este senhor era o pai do já citado Manuel Justiniano. Nos documentos históricos disponíveis até o momento, não há menção ao nome daquela que seria sua irmã: Maria Carlota de Moura. Casada com José Moura, tiveram como filha Constança Rosa de Moura. Esta, já mencionada, veio a ser esposa de Wenceslau Rizério de Araújo. 

Confirmada a hipótese de que Manuel Justiniano e Maria Carlota são irmãos, o velho Marcolino seria primo de Constança Rosa e, portanto, "primo segundo" do seu homônimo mais jovem. Marcolino de Moura e Albuquerque era ainda irmão do Barão de Santo Antônio da Barra, José Egydio de Moura e Albuquerque; e primo do Barão de Vila Velha, Joaquim Augusto de Moura e Albuquerque. 

Por isso mesmo, diz-se, e assim se explica, que Constança Rosa de Moura fosse prima do Barão de Vila Velha. Pela mesma circunstância de parentesco, justifica-se o fato de o referido Barão, ao partir das Minas de Rio de Contas para radicar-se ao final no Rio de Janeiro, ter deixado grande parte de suas posses e bens sob a guarda de Wenceslau Rizério de Araújo, com a condição de que lhe pagasse, em tempo certo, o valor por eles ajustado a título de remuneração. 

Se Marcolino Rizério de Moura esteve entre os primeiros familiares a ocupar função administrativa tão importante no nível municipal, pois seu tio José Egydio também o fora em Condeúba, coube a Marcolino de Moura e Albuquerque a condição de primeiro deputado na Assembleia Legislativa. Embora tenha estreado no Congresso Nacional como deputado federal em 1877, também ocupou o cargo de deputado provincial na Assembléia Legislativa. Provincal porque só após o advento da República, a Bahia, assim como as demais Províncias, passa a ser denominada Estado. 

Sobre o deputado Marcolino deve-se acrescentar que foi abolicionista, ao lado de Joaquim Nabuco. Foi também estudante na Faculdade de Direito de Recife, época em que conheceu o jovem Castro Alves. 

Curiosamente, Marcolino de Moura e Albuquerque teve o apoio político-eleitoral do Coronel Exupério Cangussu, com quem seu pai, Manuel Justiniano, cultivou grande rivalidade anos antes, quando se registraram vítimas fatais entre os dois lados.

NVJ

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