quarta-feira, 20 de junho de 2012

Um Rizério de Moura em Barra da Estiva

A importância dos Rizérios de Moura na povoação do sertão extrapolou os limites de Brumado. Este é caso de Juvêncio, irmão de Camila, e filho de Wenceslau Rizério de Araújo e Constança Rosa de Moura. Juvêncio Rizério de Moura é apontado como um dos fundadores de Barra da Estiva, tendo chegado ali por volta de 1870-1880. 

Seu filho, Waldemar Teixeira de Moura (1) o descreve como um grande bandeirante, de família de médio recurso financeiro. Juvêncio deixara a casa dos pais aos dezoito anos e com recursos obtidos por empréstimo junto a familiares, seguiu para o norte de Minas - região do Serro e Arassuaí. Lá teria adquirido uma "boa e poderosa tropa de burros e mulas" o que lhe permitiu não apenas saldar os empréstimos contraídos, assim como arrecadar o bastante para empreender novos negócios com eqüinos. 

Emancipado, seguiu para Barra da Estiva, à época centro da cafeicultura regional, e ali adquiriu a Fazenda São Bento, estabelecendo comércio na cidade, acumulando riquezas e propriedade agrícolas. Por volta de 1910, transfere-se para a região de Palmas de Monte Alto, onde se fixou, criou os filhos e adquiriu novas terras. 

Há vários registros sobre a participação política de Juvêncio Rizério em Barra da Estiva, apontado não apenas como um dos seus fundadores, mas também como um dos seus primeiros intendentes - entre 1897 a 1901. Nestas referências, encontráveis em páginas da internet, há também prováveis equívocos a exemplo da informação de que teria sido o último intendente do município entre 1923 e 1931. Equívoco, porque no relato do seu filho Waldemar, não resta dúvida de que Juvêncio Rizério de Moura faleceu em outubro de 1928, antes, portanto, que se findasse o período de governo mencionado. Por outro lado, a data apontada como equivalente ao primeiro mandato é compatível com a época em que vivia na Barra da Estiva, visto que seu deslocamento para a região do São Francisco se dá somente em 1910. 

Sabe-se que sua irmã Camila e o esposo, Faustino, se transferiram de Livramento para Barra da Estiva provavelmente no mesmo período, mas não há registro sobre a convivência familiar. É fato que, depois de ali residir por alguns anos, Camila faleceu, em 1894, em decorrência do seu quinto parto. Uma lápide instalada no altar da Igreja de Bom Jesus, registraria o seu passamento com a inscrição do seu nome assim como data de nascimento e morte. 

O falecimento em decorrência de parto era uma verdadeira epidemia, no sentido de ser situação corriqueira. De parto também faleceu a primeira esposa de Juvêncio, Dona Colosinha Souto, logo na sua primeira gestação. Tendo se casado novamente, o primeiro filho de Juvêncio com Eliza Oliveira Teixeira de Moura, também morreria de parto, o que evidencia a carência de   de saúde na localidade.

Juvêncio teve ao todo três filhos: Georgina, Maria Adalgisa e Waldemar, este nascido em 1912. 

Observe-se que, entre os filhos de Wenceslau e Constança, Juvêncio foi o primeiro a desempenhar função de "gestor municipal", para usar um termo moderno, antecipando-se assim, às experiências de Marcolino Rizério de Moura, seu irmão, e de Fidelcino Rizério, seu sobrinho, filho de Augusta, ambos em Brumado. 

(1) Waldemar Teixeira de Moura registrou numa publicação autobiográfica intitulada "A vida de um sertanejo", importantes informações sobre o seu pai Juvêncio que servem de fonte para este texto.

domingo, 17 de junho de 2012

Algodão, locomóveis e bolandeiras

Na Lagoa do Leite, município de Brumado, Osório fazia o beneficiamento primário do algodão plantado por ele mesmo ou por terceiros. Era um sistema rústico de descaroçamento, ou seja, de separar a pluma do caroço. O equipamento, também chamado de bolandeira, já representava uma evolução face às primeiras técnicas, mas mesmo para a década de 1940, era tecnologicamente ultrapassado.

O mecanismo começou a ser montado, em 1913, com a ajuda do pai de Isaura, João Pedro de Lima, logo após o casamento da filha, e entrou em operação pouco tempo depois.

Observe-se que no final do século XVIII, mais precisamente em 1793, um cidadão norte-americano, chamado Eli Whitney, inventara um descaroçador movido a vapor, que representou um grande avanço. Era a Revolução Industrial que a partir da Inglaterra, mas também nos Estados Unidos, iniciava uma grande transformação na produção e na economia mundial. 

Enquanto isto, prevalecia no Brasil um decreto real de 1785 que havia ordenado a destruição, em sessenta dias, de todos os "teares de galões, de tecidos, ou de bordados, de ouro e de prata, de veludos, brilhantes, cetins, tafetás ou outra qualquer qualidade de seda; de belbutes, chitas, bombazinas, fustões ou outra qualquer qualidade de fazenda de algodão ou linho, branca ou de cores; e de panos baetas, droguetes, saetas, ou de qualquer outra qualidade de tecidos de lã"(1). Tal proibição só foi revogada em 1808, ou seja, mais de 20 anos depois, com a chegada de D. João VI.

A partir daí começa uma primeira fase da industrialização brasileira, que teve um impulso maior no final do século XIX, considerando-se que o equivalente da nossa "revolução industrial" tenha se iniciado em 1930 a 1956.

Nos sertões do Brasil este processo foi ainda mais lento. No Nordeste brasileiro, há registros históricos de "locomóveis" - como eram chamados estes engenhos de ferro a vapor, desde meados do século XIX. Mas essas máquinas conviveram durante certo tempo com outras movidas por tração animal. Neste período não havia motores elétricos no sertão.

Para mover as engrenagens da descaroçadora, Osório utilizava quatro bois, cujas cangas eram amarradas por "tiradeiras" numa "manjarra" - nome da peça que se articulava com polias e rodas que, enfim, movia cilindros, "serras" e "garfos". Se os bois moviam numa direção era para descaroçar algodão, se eram tocados na direção oposta, é porque estava se produzindo farinha de mandioca. Neste caso, a engenhoca era acoplada a "rodas" típicas de casas de farinha.

Enquanto Osório utilizava um descaroçador movido a bois, o vizinho Zezé - José Augusto dos Santos(2), mantinha na região um "locomóvel". Era uma máquina de ferro que dispunha de uma caldeira cujo vapor era produzido a partir da queima de lenha. Desta forma as estruturas se movimentavam sem precisar o uso de animais.

Naturalmente, havia um ganho de produtividade na utilização da máquina a vapor, o que contribuiu para que paulatinamente o descaroçamento realizado no sistema a base de tração animal deixasse de  ser vantajoso em função da pequena escala da produção. 

Já em meados do século XX, os locomóveis foram gradativamente sendo abandonados, superados pela consolidação das usinas de algodão, estruturas maiores e com produtividade crescente.

A experiência de Osório, mesmo com equipamentos que ficaram obsoletos, estimulou os seus descendentes a se manterem na atividade algodoeira. Seja no plantio ou no processamento industrial, filhos, netos e bisnetos continuaram a sua saga, enfrentando cada um ao seu tempo, outros obstáculos: maiores custos com pesticidas para reduzir as pragas que atacavam as plantações, concorrência com produto importado, oscilações na oferta de insumos da produção, custos de transporte, além dos desafios da atuação em outras etapas do beneficiamento industrial.


(1) In: Lycurgo Santos Filho. "Uma comunidade rural do Brasil antigo".
(2) Zezé era irmão de Fidelcino, casado com uma irmã de Isaura.

sábado, 16 de junho de 2012

"Rapadura é doce mas é dura"



Faustino já estava casado quando seus pais e suas irmãs deixaram o sertão da Bahia para viver novas experiências no norte de São Paulo. Mas, em 1894, morre Camila, a esposa, no seu quinto parto. Faustino volta para Livramento com os filhos, deixando a Barra da Estiva, onde permanece seu cunhado Juvêncio Rizério, bem estabelecido. Faustino passa a morar na Fazenda Capoeira, de sua propriedade, localizada no distrito de Itanagé. Depois se muda para a Lagoa do Negro, no município de Brumado. Ali, viveu com Sergia e teve várias filhas.

Neste ínterim, Francisca de Vasconcellos Bittencourt, sua prima, e de quem fora noivo antes de se casar com Camila, também se torna viúva. Surge assim, a possibilidade de retomarem os planos de casamento, àquela altura perdidos no tempo. Ambos já estavam maduros e cada um deles tinha filhos de seus relacionamentos anteriores. O fato de não ser legalmente casado com Sergia permitiu que uma nova união se formalizasse entre Francisca e Faustino, e uma solução matrimonial fosse encontrada para a sua antiga companheira, mãe de suas filhas.

Faustino e Francisca vão morar em Itanagé, e ali nasceu Leônidas. Entretanto, não deixava de visitar os outros filhos e netos, em Brumado (1).

Nas visitas à Lagoa do Leite, ele preferia dormir na rede, mais por necessidade do que por excentricidade. Costuma dizer que tinha "urina solta" por causa de um "chá de grama" que bebera para se curar de uma contenção urinária. Resumindo, para não acordar na cama molhada pela manhã, dormia na rede, e assim não passava constrangimento, especialmente com Miúda.

O avô era muito querido e, certa vez, ao chegar de viagem para mais uma visita, Faustino trouxe de presente para os netos três delícias feitas com o melaço da cana - uma  rapadura batida pendurada numa cordinha, como uma cabacinha. Os netos se aproximaram, e em volta dele, todos animados e ansiosos esperavam pelo privilégio de serem os escolhidos.

À medida que o avô entregava os singelos presentes, a ansiedade se dissipava para uns e aumentava para outros. Afinal, havia muito mais netos que presentes. O primeiro escolhido foi José Osório. "Tá certo, afinal ele é afilhado". O segundo, "foi para Miguel, filho de tio Camilo". "É agora! Deixou o último prá mim, só prá caçoar". Mas ele se voltou em outra direção... "o terceiro foi para um filho de tio Juca" (2). O avô procurou atender a todos, escolhendo um neto de cada um dos filhos.

Todos os netos comeram um pedaço da guloseima, mas entre as lembranças ficou o sentimento de não estar entre os escolhidos naquele dia. Coisa de menino, que só quando se é avô se tem a compreensão mais completa.


(1) Faustino que nasceu entre 1860-70, faleceu entre o final da década de 1930 e início da década de 1940.
(2) Juca, ou José Rizério de Moura, também era filho de Camila e Faustino e foi o único a não carregar o sobrenome Vasconcelos.



domingo, 10 de junho de 2012

Xexéu


Depois de viver cerca de dez anos em Caetité, Isaura volta para Brumado em 1961. Desta vez ela e Osório vão viver na cidade. Residiram em várias casas até que em setembro de 1965, passam a morar na casa da Praça Anastácio.

Aos oitenta anos, Osório tinha enfrentado complicações na saúde que o deixaram debilitado. Gostava de ficar sentado numa cadeira na calçada da sua casa onde sempre passava alguém conhecido, e embora já não escutasse muito bem, trocava uns dedos de prosa. 

Certa feita, lá estava Osório. Bengala na mão, batendo-a no chão cadenciadamente, quando se aproxima seu afilhado David, irmão de Bia, Zezito e Antônio. Osório comenta: - esses filhos de Compadre Liô gostam de aumentar as coisas... Isto custou tanto... Comprou por tanto... Tudo mentira...

Diná, ao seu lado, alertou: "pai, é David."
- "E eu não sei... Tudo mentiroso!"

David, no entanto, já conhecia o estilo do velho Osório e não se importou com o comentário.

Num desses dias, passa um cidadão e o cumprimenta:
- "Bom dia Seu Osório!"

Osório olhou a pessoa, com cara de quem estava estranhando, mas não disse nada.
- "Não está se lembrando de mim?" Insistiu.
- "Não, não estou."
- "Sou eu, José Amorim, filho de Aurélio Padre Amorim, que mora na Lagoa do Rancho."
- "Filho de Aurélio Amorim? Não estou lembrando não", repete o octogenário.

O cidadão se aproxima de Osório e lhe diz no ouvido o seu apelido de infância, que não lhe agrada, e pelo qual não gostava de ser chamado, mas que àquela altura parecia ser a única forma de ser lembrado:
- "Sou eu, Xexéu!"

Então Osório, falando de modo que todos na roda de amigos e parentes escutassem, falou:
- "Xexéu!? É você? Por que não disse logo: é Xexéu, e pronto! Xexéu!"

Acabrunhado, o Amorim saiu arrependido de ter revelado a sua identidade "secreta", aquela pela qual todos o conheciam, mas que se recusava a aceitar.

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