Andanças

Uma aventura e tanto

Em 1976, mal havia ingressado na universidade, era "mais" jovem e tinha disposição suficiente para sair "pelo mundo" sem medir muito as consequências, e empreender aquela que seria a maior aventura da minha vida.

Foi uma viagem de 40 dias atravessando o Brasil, a Bolívia, o Peru, o Chile e a Argentina, utilizando os meios de transporte disponíveis e acomodando-nos em instalações as mais diversificadas e precárias. Estávamos em três viajantes aventureiros. O quarto colega de viagem, resolveu adquirir muitos livros marxistas em Lima, o que para nós brasileiros, era um produto difícil de encontrar em tempos de ditadura militar. Assim, ele preferiu voltar pela Bolívia a enfrentar em território chileno prováveis dissabores em função das compras que fizera.

A chegada ao Chile já sinalizava que as condições da viagem não seriam muito agradáveis. Vindo de ônibus desde Lima, até a primeira parada em Arica, tivemos que atender às exigências da polícia de Pinochet pelo menos por duas vezes. Descíamos do ônibus, cada um pegava a sua mala no bagageiro sob o piso dos assentos e carregava até o local onde eram vistoriadas; também o veículo era inspecionado na busca de alguma carga não autorizada. Em seguida, novamente os passageiros levavam sua bagagem para o ônibus, que só então poderia seguir viagem.

Era uma fase complicada da América Latina e os militares tinham forte influência. Pinochet, no Chile; Ernesto Geisel, no Brasil; Hugo Banzer, na Bolívia; Francisco Moralles Bermudez, no Peru; Stroessner, no Paraguai, eram alguns exemplos. Na Argentina, Isabelita Perón estava no governo, mas pouco mais de um mês após nossa passagem pelo país, foi deposta pelos militares com Jorge Videla à frente, e se estabeleceram no poder.

Retomando nossa aventura, a primeira parada no Chile, foi em Arica, e ali enfrentamos um choque, digamos, monetário. É que estávamos acostumados a uma moeda desvalorizada, o Sol peruano. O peso chileno, contudo, era muito valorizado, componente de um plano econômico austero, seguido depois por Margareth Thatcher, na Inglaterra. Assim, um único sanduíche consumia parte significativa da pouca disponibilidade financeira que tínhamos.

O segundo problema a resolver era a dormida, e precisávamos ser rápidos visto que a partir das dez horas da noite vigorava o "toque de recolher" e, na rua, todos viravam alvos da polícia, que inquiria os suspeitos só depois do tiro disparado. Com o dinheiro escasso, resolvemos seguir para a delegacia, alegando não ter onde pernoitar. Que coragem!!  A resposta foi um sonoro NÃO! "- aqui não é hotel", nos disseram sem mais delongas.

Nós estávamos em companhia de argentinos com quem fizemos amizade em Cuzco, o que ajudou no entendimento com os moradores locais – em função do idioma comum. Assim, nos indicaram uma construção inacabada, onde poderíamos esticar um cobertor no chão e enfrentar o frio da noite. Havíamo-nos acostumado com noites desconfortáveis ao longo das etapas anteriores da viagem, mas naquela contingência batemos o recorde, levando-se em conta ainda o dormir sobressaltado pela insegurança.

Logo seguimos para Santiago, onde a tranquilidade de um Albergue da Juventude nos fez recuperar o sono perdido. Visitamos Viña del Mar e Valparaiso para banhar no Pacífico e a água gelada nos assustou, logo retornamos à capital.

Nova questão se apresentava: como voltar para casa, para o Brasil. Havia uma greve do setor do transporte internacional, o que mais uma vez nos exigiu muito improviso.

Um ônibus nos levou a Los Andes, que no inverno é uma estação de esqui muito disputada. Dali seguimos a pé até a entrada de um túnel rodo-ferroviário, que atravessava a montanha em direção à Argentina. Passava um veículo apenas, de modo que um posto de controle autorizava o deslocamento, se num sentido ou no outro.

Assim, nos postamos a espera de uma carona. Felizmente, uma viagem agradável em carro de passeio até Mendonza nos tirou do sufoco. Começava a penúltima etapa da viagem, e finalmente o retorno à Bahia.



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