De volta pra casa

Depois de atravessar o túnel rodo-ferroviário sob os Andes, de carona, entramos na Argentina, seguindo para Mendonza, por uma rodovia que se desenvolvia a meia encosta, bem estruturada, com pequenos túneis, numa viagem agradável, possivelmente por ter sido o primeiro trecho em automóvel, depois de tantas situações adversas.

De Mendonza, restou a lembrança dos "duraznos", os pêssegos comprados a quilo numa feira livre. Por muito tempo, comer pêssegos trazia-me um sentimento prazeroso. Começava um curto período de fartura cujo ápice foram os churrascos em Buenos Ayres na casa dos amigos argentinos que desde o Peru passaram a compor o grupo de mochileiros. 

Mas a mistura de vinho e carne, depois do regime alimentar de grandes restrições, chegou a provocar mal estar e indigestão.

Depois de uma rápida circulada pela grande metrópole, era hora de voltar pra casa. Infelizmente não poderíamos passar pelo Uruguay. Além do tempo e dinheiro,  eu havia comprado na Calle Florida o livro "As veias abertas da América Latina", de Eduardo Galeano, um clássico crítico da colonização portuguesa e espanhola da região, mas também da dominação exercida pelas metrópoles mundiais ao longo da história, assim como, a crítica às ditaduras que serviram a esta política imperialista. Publicação de grande atualidade, vendeu milhões de exemplares em todo o mundo. A ditadura uruguaia, sob a presidência de Juan María Bordaberry, havia proibido este livro e não permitiria que fosse vendido ou circulasse no país. 

Já estávamos fora há 37 dias, e a saudade era grande, ainda que as intensas novidades vivenciadas não deixasse muito tempo para pensar no que havíamos deixado.

Compramos uma passagem de ônibus da empresa Pluma, para o dia 12 de fevereiro, diretamente para S. Paulo, numa viagem de quase quarenta horas de duração. Atravessamos um túnel sob o rio Paraná, ainda na Argentina, ligando as províncias de Entre Rios e Santa Fé, que havia sido inaugurado há alguns poucos anos, e era algo surpreendente para nós àquele tempo.

Ao chegar a S. Paulo, em 14 de fevereiro, imediatamente fomos ao guichê da São Geraldo e comprei passagem para Salvador. Mais 30 horas de viagem. O dinheiro havia acabado. Literalmente. Para comer, em uma das paradas, cheguei a pedir a um passageiro desconhecido, que me pagasse um sanduíche.

A viagem de volta costuma ser mais rápida, e Salvador logo chegou. Foram dezesseis mil e tantos quilômetros num périplo de 40 dias pela América Latina, atravessando boa parte do Brasil, a Bolívia e o Peru, passando pelo Chile e Argentina. Desde então, viajar de ônibus nunca mais foi cansativo, toda viagem passou a ser de curto alcance.

A exaustão deu lugar a alegria de voltar e de contar aos amigos e parentes, tantas vezes, as aventuras de uma viagem que marcou definitivamente a minha vida.

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